segunda-feira, 26 de julho de 2010

Centro pirata 1


Andar no Centro da cidade é uma experiência única. Acordei cedo, sábado pela manhã, e deixei a moto em casa. Tomei um ônibus e desci perto da Catedral. Por que ir ao Centro quando no bairro em que moro tem tudo o que preciso? Na verdade, nem tudo.

O Centro é uma babel de tipos e seres, ofertas e opções que dariam um estudo antropológico acadêmico. Não se trata das ruas maquiadas da zona nobre, no Centro os intestinos da cidade estão expostos em toda a sua virulência, desde a torpeza social à agradável brisa que vem do Atlântico sobre a Praça do Ferreira.

Não dá para ser indiferente ao Centro. Você consegue encontrar lojas e artigos de uma cafonalha só a produtos de alto nível. A diversidade de apelos é de uma cacofonia visual opressiva. Enquanto se caminha, pobres prostitutas oferecem seus serviços sexuais próximos a motéis de quinta categoria, verdadeiros munquifos;

“cachorras” em micro-shortes, equilibrando-se em saltos plataformas imensos, desfilavam suas coxas musculosas sob os assovios dos taxistas;

vendedores saem das lojas para buscarem você na calçada convidando-o às compras de produtos que não lhe interessam (os atendentes da praça de alimentação do Shopping Iguatemi fazem a mesma coisa, eles só faltam agarrar você pelo pescoço e lhe forçar a comer ali, os vendedores do Centro são mais discretos);

pedintes sem conta, meninos cheirando cola a céu aberto, dementes vagando pelas calçadas, descuidistas a postos, pregadores evangélicos aos berros, cantores gospel promovendo seus discos em caixas de som distorcidas, transeuntes apressados em calçadas estreitas, senhoras amedrontadas em passos lépidos abraçando as bolsas, mendigos imundos com cabelos emaranhados arrastando trapos inacreditavelmente sujos, camelôs suados ofertando de uma agulha a camisas com nome em inglês escrito errado...

É um espetáculo! Não há como se divertir e lamentar naquele mercado humano mambembe. Diante dos seus olhos desfila do cômico ao trágico.

Percorri a Barão do Rio Branco e vi que o McDonald’s de lá continua ativo e com filas. Não simpatizo com ele. À noite, ele joga no lixo quilos e quilos de alimentos do império ianque. Não doa para ninguém com receio de um exército de esfomeados se postar às suas portas no fim do expediente atrás de comida. É um pecado diário. Há muitas possibilidades de reencaminhar aqueles alimentos, mas eles não se importam.

Nessa minha visita ao Centro, tomei consciência de algo realmente assustador: a oficialização da pirataria. Quase tudo é falso! Parece que a China aportou seu navio de muambas no Mucuripe e despejou seus produtos aos montes nas ruas da cidade!
Entrei numa loja de produtos chineses em frente ao BNB que é tão cafona, com produtos tão falsificados que dão gastura! Saí de lá com uma mochila duvidosa, mas como estava precisando...

O Raimundo dos Bonés é o clássico de quem adora cobrir a cabeça com estilo. Tem pra todos os gostos. Bonés de 10, 12 a 20 reais: Polo, Addidas, Lacoste e o escambau! É uma loja conhecida, paga seus impostos e dá emprego. Não sou de ostentar marca, mas a qualidade do Polo era notável e seu preço, irresistível. Saí de lá com ele na cabeça...

Passei pelo Shopping dos Fabricantes, que uma amiga chama de “shopping dos falsificantes”. Não entrei, segui atrás de uns quadros para decorar meu apartamento, mas antes entrei na Fortaleza das Essências. Você chega e escolhe o cardápio com as essências dos melhores perfumes do mundo. Não sei como eles as conseguem, mas estavam lá Hugo Boss, Bvlgari, Ferrari, Essencial etc etc... Você compra a essência, mistura no álcool já com o fixador, coloca no vidro, balança, enrola num jornal e deixa no congelador por dez dias. Não estava precisando, mas levei um Hugo Boss por R$ 9,90...

E a culpa por comprar essas coisas? Estranho, não há muita. Será que nos tornamos cínicos? Ou será que a pirataria é uma forma de protesto, contestação e zombaria de marcas famosas bilionárias, que usam trabalho quase escravo dos países do terceiro mundo para ficarem ainda mais ricas, distribuindo migalhas aos seus funcionários?
Como pode um perfume custar 350 a 400 reais?! Como pode um tênis Asics, que comprei há um ano, custar 550 reais (e que em menos de um ano, sem eu correr com ele, furou a rede de proteção do pé esquerdo!)?

Como pode relógios esportivos custarem 200, 300 e 800 reais? Mesmo com mão de obra barata e incentivos fiscais eles não baixam os preços.

Nos tempos em que o Programa do Ratinho ainda dava o que falar, ele fez as contas de quanto um CD musical poderia chegar ao consumidor com um preço justo. O matemático convidado chegou ao preço de cinco reais. E, com esse valor, disse ele, a indústria fonográfica teria ainda ganhos milionários. Calcule então custando 35 reais!

O governo e a polícia, por sua vez, fazem vista grossa para o assunto. Parecem achar um fenômeno sem volta e inútil de combater, como enxugar gelo. Ora, parei diante da vitrine de uma loja do Shopping Lisbonense para ver a coleção de relógios esportes. A dona era uma chinesa, mal falava português. Se vacilasse, ela me passava até nota fiscal se eu levasse algum dos relógios. Que por sinal, eram muito bonitos. Resisti à tentação. Continuei meu caminho.

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