segunda-feira, 5 de julho de 2010
A arte de andar de moto em Fortaleza 3
Vamos derrubar um mito agora: carros não são inimigos de motos! Salvo uma minoria mal intencionada, motoristas respeitam as motos, não querem se envolver em acidentes, muito menos com motoqueiros. É uma encrenca que nenhum deles quer entrar. Como disse anteriormente, a maioria dos acidentes é provocada pelos próprios motoqueiros.
Dirijo carros há vinte anos e moto há um ano e meio e só me envolvi em acidente de trânsito uma única vez. De carro. E, ironia das ironias: atropelei uma moto! Adivinha de quem foi a culpa?
Uma motoqueira levando um garupa pilotava distraída ouvindo o amigo na garupa dar conselhos sobre o término do namoro dela. Deu mais atenção aos conselhos do que a placa vermelha de PARE diante dela, e passou a preferencial. Eu vinha a meros 40 quilômetros e, quando a vi, ela estava na minha frente. Pisei no freio, mas não teve jeito. A batida foi tão forte que eles foram lançados longe. Ela voou alto e caiu no chão, quebrando a clavícula. O garupa caiu perto de uma churrasqueira dum bar de esquina. A batida foi em cima da perna dele. A moto quase partiu ao meio.
Parei o carro e saí correndo para socorrê-la. Quando olhei pro lado, vi o garupa segurando a perna com o tornozelo partido e o pé pendurado. Do meu Voyage, somente a tela e um farol quebrados.
Chamei o SAMU e o dono do bar com alguns frequentadores me cercaram: “A gente viu tudo”, disse ele, “ela ultrapassou a preferencial, se precisar de testemunhas conte com a gente”. Agradeci e continuei acompanhando o drama daqueles dois infelizes.
Naquela noite mal consegui dormir. De manhã, ao sair para o trabalho, dei uma olhadela no carro e preferi ir de ônibus. Me senti inseguro em dirigir naquele dia. Só vim pegar de novo no volante no dia seguinte. Naquela semana liguei para o hospital para saber como eles estavam indo. A moça se recuperava bem, mas o amigo já tinha passado por duas cirurgias.
Andar de moto é andar com quatro olhos, é estar atento. Nada de andar com o pensamento nas nuvens cruzando ruas nem olhar para a garota bonita que passa na calçada. Nem ficar batendo papo com o garupa!
Mas se perigos assim já fossem motivos suficientes para ficarmos atentos, existe um dado a mais para manter o alerta em andar de moto em Fortaleza. Tudo bem, os motoristas não querem se envolver em acidentes, porém, os motoristas de Fortaleza sofrem de uma síndrome terrível e imperdoável. As ruas da cidade estão repletas de abílios-diniz-antes-do-sequestro!
Para quem não se lembra, Abílio Diniz é o dono do Pão de Açúcar que foi sequestrado em 1989. Muito tempo depois, ele escreveu uma biografia contando que antes do sequestro ele era tão arrogante, mas tão arrogante que nunca dava seta para dobrar quando dirigia seu carro... Porque ele dizia que não tinha que dar satisfação da vida dele a ninguém! Sim, acredite! Hoje Diniz é um homem mudado e cheio de valores que o sofrimento lhe granjeou.
Infelizmente, porém, vários abílios-diniz-antes-do-sequestro dominam as ruas da capital cearense. Seja homem ou mulher, ver uma seta para dobrar piscando na lanterna de um carro é um luxo! Tudo motorista dedo duro! Que custa dá seta para dobrar?! Um mau hábito que pode causar muitos acidentes, e se tratando de uma moto atrás, um perigo duplo! Esses motoristas simplesmente não ligam o pisca-pisca, tem preguiça, é muito esforço. Curiosamente, a maioria deles dirige carros caros. Arrogância? Prepotência? Distração? Por que não tudo isso junto? Não sei quanto a outras capitais, mas em Fortaleza é assim.
Não, não esperem que eles deem seta para quando forem sair do estacionamento ao lado da calçada, aí é pedir demais. Sem falar nos celulares! Não estão nem aí! Dirigem lentamente e às vezes em zig-zag no meio da rua para atender a um assunto importante. É, não dá para deixar de atender, que se dane o motoqueiro que vem ao lado!
Não queria, claro, que ninguém fosse sequestrado para aprender a ser humilde, bastaria apenas olhar para o outro com respeito e dirigir com segurança. Quem dera tivesse em nossas ruas maduros abílios diniz. Pois este, hoje, certamente sinaliza tudo que é preciso ao dirigir um automóvel.
Diante dessa fauna urbana, andar de moto em Fortaleza é realmente uma arte.
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