quarta-feira, 30 de junho de 2010

Jabulani Ferreira da Silva


Antes de 1986 a África do Sul, para mim, só tinha dois símbolos: o famigerado Apartheid e Nelson Mandela.

Mandela estava ainda na prisão amargando anos de confinamento, enquanto o regime do Apartheid blasfemava contra a humanidade discriminando os negros do país com uma filosofia nazistoide. O negros sul-africanos eram os judeus da época.

Eu, particularmente, detestava aquele país pelo seu governo. Até que Paul Simon, o grande parceiro de Art Garfunkel, compositores da famosa trilha do filme “A primeira noite de um homem”, com Dustin Hoffman, aterrissou na África do Sul. Lá, gravou um dos melhores discos de sua carreira, “Graceland”, com músicos e cantores locais, tendo como destaque o tema “You Can Call Me Al”.

Paul Simon é branco e optar em gravar com músicos e vocalistas negros era um ato político de protesto contra o Apartheid. Os arranjos vocais das músicas são de uma beleza tocante, revelando a alma viva e poética daquele povo sofrido, embora sufocada por um regime tirano. Comprei o disco imediatamente e o ouvi à exaustão. A agulha da vitrola passeou quilômetros pelos sucos do LP. Até hoje o tenho, é uma relíquia que guardo com carinho.

Depois de “Graceland”, nunca mais vi a África do Sul do mesmo jeito. E que idioma envolvente era aquele?, eu me perguntava. Africâner, inglês, sepédi, sessoto, setsuana são os idiomas oficiais. Tirando o inglês, não tenho a mínima ideia de qual destas línguas é cantada no álbum de Simon, mas tudo me leva a crer se tratar do idioma principal, o africâner.

Em 1990, Nelson Mandela saiu da prisão direto para a Presidência do país. De lá para cá, a questão racial foi sendo debelada e, graças a nobreza do líder Mandela, a África do Sul não teve o mesmo destino trágico de outras nações africanas que mergulharam num banho de sangue por causa de guerras étnicas. Mandela não tinha planos de vingança, mas de união nacional.

Agora, a Copa do Mundo da África de 2010 encanta o mundo novamente com a sua personalidade e a beleza linguística de seu idioma. Pelo menos, eu estou encantado. Ora, até esta Copa, me passou completamente batido que todas as bolas de cada Mundial tinham um nome, como a Tango da Espanha de 82. Seja como for, nenhuma outra
bola terá projeção igual a misteriosa Jabulani.

Jabulani? Que nome! E nem quer dizer bola, mas Celebração! A Copa da África tem um mascote, mas nem me lembro o nome, pois a mascote indiscutível deste Torneio é realmente a bola Jabulani. E a Vuvuzela? Nunca ninguém ouviu falar nesse nome no Brasil, aqui era corneta mesmo. Agora, alguém acredita que corneta vai continuar sendo chamada assim no Brasil sem um adendo “vuvuzela? Dificilmente.

A personagem desta Copa não é jogador algum, mas uma bola! Onde já se viu isso? Esse Mundial ou está muito sem graça (e a contar com os jogos do Brasil, está mesmo) ou o idioma da África do Sul é realmente um show à parte.

Na próxima Copa de 2014 no Brasil, não será de admirar que nas redondezas dos estádios não sejam encontrados pais com seus filhinhos e filhinhas de 4 anos vendendo bandeiras do Brasil. Quem sabe as meninas não venham a se chamar, a partir de agora em seus berços nas maternidades, de Jabulani Ferreira da Silva, Jabulani Maria Aparecida de Araújo, Jabulani Irineide de Souza...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um corpo que cai


Hoje pela manhã, ao sair de casa para o trabalho, me deparei com um zunzum perto do meu prédio. O porteiro, movido por aquela necessidade excruciante de passar pra frente uma má notícia, pôs-se ao meu lado e me deu um bom dia, dizendo: “Uma mulher se jogou do terceiro andar aí no prédio da frente”.

Estranho essa necessidade que temos de dar más notícias às pessoas! A notícia de morte é um alerta inconsciente de que algo não vai bem com o mundo. As más notícias criam solidariedade até entre inimigos para enfrentá-las... Por que morremos, afinal? Não há como se conformar com a morte, mesmo a morte natural (embora eu não considere morte alguma natural).

Olhar um corpo inerte, sem vida, diante dos olhos me fez pensar a primeira vez: Para onde foram seus sonhos? Onde foi parar sua consciência, sua pessoa? Tudo que viveu, tudo que doou, tudo que guardou, todos os lugares onde esteve, os sabores que provou, os cheiros que sentiu, os gostos que teve, os prazeres que desfrutou, tudo se perdeu para sempre?

Não aceitamos o fim de uma vida, porém até no idioma a língua propõe agora uma inexistência do ser atrelada ao corpo. Ao nos referirmos ao morto, não o chamamos mais pelo nome, mas o “corpo de fulano”, “o cadáver”, “ele era”, “ele foi”. Mas, ali, naquele corpo inerte, não é mais a pessoa, o ente querido, mas um invólucro que envolvia alguém. Nem vou me deter em expeculações metafísicas, pois o sentimento diante de um cadáver é de fato de perplexidade.

Ao olhar o corpo tão amado de minha mãe no caixão, via com meus próprios olhos que ela não estava mais ali. Então, se é agora apenas um corpo, onde estará a alma vivente que movia aquele corpo? Meu pensamento é: Se existe uma Consciência espiritual divina fora de um corpo, a consciência individual que habita um corpo, uma vez fora dele, não continuará vivendo?

Parei minha moto ao lado do prédio. A imprensa e os curiosos já estavam a postos. Soube que era uma jovem de 19 anos. De madrugada, ela pulara do terceiro andar. O vigia noturno ouviu um barulho seco no chão e rodeou o prédio sem ver nada. Porém, pela manhã, viu o corpo da moça estirado no chão, morto.

Ela morava num prédio bonito, bem localizado, vivia com os tios, tinha juventude, sua vida estava apenas começando. Por um motivo desconhecido por nós, nada daquilo fazia sentido para ela. A vida em si não fora para ela motivo suficiente para ser prolongada, o suicídio pareceu o melhor caminho (falo mais sobre o assunto no post “ Sobre o suicídio de Hemingway, London e Marcelo”).

Não há dúvidas: nada é mais importante do que a vida! Nada pode ser mais precioso do que viver. Contudo, a vida não é apenas um corpo acordado se mexendo e falando, é mais que isso. Jesus de Nazaré revelou que há vivos que, na verdade, estão mortos. E há mortos literalmente, que estão vivos. Sim, há pessoas que vivem, mas é como se estivessem mortas. Sua vida e suas obras são mortas e geram morte. Para mim, o pensamento suicida começa na angústia, ela é a semente do mal que cresce no coração de um desesperado. A angústia mata!

Certa vez, meu irmão comentou comigo que hoje em dia quase toda mulher anda com uma bandinha de antidepressivo dentro da bolsa ao lado do batom e da maquiagem, e que não devemos nos escandalizar com isso.

Ele tem razão. São tempos difíceis para a alma.

Passei a primeira e acelerei a moto. Saí de perto do prédio da pobre moça em direção ao trabalho. A vida não pode parar. Enquanto sentia a brisa gostosa da manhã no rosto, lembrei de uma promessa do Deus da Bíblia no livro de Jeremias em que Ele diz: “Invoca-me no dia da angústia e eu te livrarei”. Eu mesmo já tinha sido salvo da angústia por conhecer essa promessa.

Talvez a pobre moça não conhecesse essa palavra. Ou não tivesse uma Bíblia em seu quarto. Ou talvez tivesse e nunca tenha aberto.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Pimentão à chegada do Gil


Gilberto, meu irmão Gil, estava chegando. Passaria alguns dias comigo. Sem mulher e filhas. Como sempre, grandes papos estavam reservados para longas noites a fio. Foram dez dias juntos de companheirismo, amizade pura, desinteressada, aliás, o único interesse era de fato a própria amizade e o carinho sincero de irmãos.
Sempre aprendo muito com o Gil: sua sinceridade, sua bondade, sua simplicidade e sua sabedoria espiritual. Não sei quanto a sua mulher e filhas, mas eu sempre ouço com atenção tudo o que me diz. Nem sempre concordo com tudo – muito pouco, por sinal – mas reconheço, na maioria das vezes, seu bom entendimento das coisas.

Assim, não podia recebê-lo sem criar um prato, com meus dotes culinários suspeitíssimos, em sua homenagem. Coloquei a cuca pra funcionar (não o mestre,claro) e improvisei um prato simples, mas bem saboroso. Pelo menos essa era a intenção.
Anote aí: Pimentão vermelho, grande, partido ao meio; creme de leite misturado ao molho de tomate, queijo muçarela (Não! Não é com dois S), linguiça calabresa picada, orégano, azeite extra-virgem, sal, curry.

Como fazer: Coloque o creme com o molho dentro do pimentão, em seguida o queijo, mais um pedaço de outro queijo a gosto, pode ser um provolone ou gorgonzola, que adoro; orégano por cima, a linguiça, sal e uma pitada de curry. Derrame azeite e faça os pimentões brilharem. Coloque numa fôrma e ponha no forno pré-aquecido por 20 minutos.

Ao fechar a porta do fogão, batizei: Pimentão com Creme à Chegada do Gil. Ele achou graça. Para tudo ficar em família, então, servi o vinho Saint German. O prato foi um sucesso. Dava para comer dois pimentões inteiros seguidos.

Hoje é o último dia do Gil aqui, amanhã ele partirá para sua calorosa Teresina, deixando mais uma vez o meu pequeno apartamento enorme de vazio. Ele, uma vez em sua casa, terá de se virar bebendo vinho no quarto com ar condicionado. Aquele calor não perdoa os amantes dessa bebida também quente.

Tenho que pensar no que servirei esta noite no jantar de despedida, mas já está pensado: Batata Assada a La Crème A Bientôt!

Se quiser fazer em casa é fácil: Pegue batatas grandes e cozinhe até amolecer. Parta ao meio, cave por dentro um pouco, ponha na fôrma, coloque creme de leite misturado no molho de tomate, cubra com queijo muçarela, tomate picado, sal, linguiça picada, benzunte de azeite e salpique pimenta-do-reino moída na hora. Um conselho: esqueça pimenta-do-reino em saquinhos, ela nem se compara à moída na hora, que é deliciosa e aromática.

Um alerta horrível, mas necessário: nunca use pimenta-do-reino branca em saquinho, tem cheiro de vômito, argh!

Vinho tinto é um ótimo acompanhamento, mas vou servir cerveja hoje como símbolo de nossa convivência esses dias. Foram dez dias regados a um bom papo, futebol, ótimos passeios de moto, praia e uma boa e gelada cerveja! Aliás, várias! Ela tem que encerrar a viagem.

Minha moto vai ficar mais leve sem o seu peso na garupa, mas meu coração pesado de saudade. Bem, agora tenho que ir. Ainda iremos caminhar na Beira Mar antes de voltarmos e nos enchermos de deliciosas calorias no jantar.

Valeu, meu irmão! Até o próximo Pimentão com Creme à Chegada do Gil 2.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Hora de partir


Um das coisas mais difíceis de se admitir é ter perdido o entusiasmo sobre muitos aspectos que compõem nossa vida. A crise, que gera o vazio existencial, nos lança num limbo de não-alegria, não-sentido, não-amor. Não se trata de uma depressão, de um querer morrer, de se entregar ao sono como fuga, um fugir de si mesmo. Mas de uma sede quase insuportável de mudança, em todas as áreas da vida.

Não que no além-horizonte esteja um gramado mais verde. Isso é ilusão. Muitas vezes, o objetivo é o percurso que gera algum resultado interior. O trajeto, o caminho e as experiências neles vividas são o que nos ensinam a pensar melhor e tomar decisões inteligentes, como voltar e, ou, seguir em frente.

Moro numa cidade onde turistas passam férias. Clima tropical, praias bonitas, vida noturna agitada, cheia de shoppings, cafés, bares. Tenho um bom emprego, um salário, que embora esteja longe do ideal me sustenta e ajuda a pagar as contas; moro perto do meu trabalho, que exerço com prazer; tenho uma vida prática, tipo novaiorquina: vou a pé para o trabalho, faço tudo a pé se quiser, tomo café pelo caminho e moro no bairro mais charmoso da cidade.

O que falta, então? Faltam raízes. Meus irmãos moram em outros estados e meus pais já faleceram. Não tenho mulher nem filhos. Assim, o que me prende aqui? Provavelmente, a única coisa que me prende à cidade são os amigos, mas estes mesmos, e ainda poucos, têm suas próprias vidas e, amigos, convenhamos, não nos prendem a lugar algum, pois onde quer que iremos, os levaremos no coração. A amizade verdadeira, mesmo à distância, nunca acaba.

Assim, estou em crise, num grande dilema: ficar aqui ou entregar o apartamento, pegar a estrada e partir? Saiba, um motoqueiro em crise é um perigo! A liberdade em forma de duas-rodas-e-um-motor está logo ali, piscando o farol pra gente, sedutoramente. Quem nunca pegou uma estrada de moto não sabe do que estou falando. Mas quem já experimentou essa sensação sabe o quanto ela é atraente.
Andar de moto é uma das melhores coisas da vida. Dá quase a mesma lombra dos corredores, a endorfina é injetada no sangue, o bem-estar e alegria tomam conta. “Voar” a 100 km/h por uma longa estrada, tendo aos lados paisagens deslumbrantes, é uma bênção que marca na memória. Deus, com certeza, tinha em mente os motoqueiros que mergulhariam no vento, ao criar àquelas paisagens arrebatadoras.

É uma solidão encantadora. As serras ao longe, planícies perto, Taruka tocando no mp3,o frio batendo no casaco e no rosto descoberto pela viseira, os asfalto correndo para trás, pequenos lugarejos vindo e indo, pessoas diferentes lhe servindo um café em cada parada, um pernoite num hotel, ora modesto ora confortável, e as paisagens se sucedem: terra vermelha, verde deslumbrante, dunas altivas e brancas, mares verdes e azuis...

É fechar os olhos e visualizar isso.

Rio Grande do Sul é a parada final. “Final”, porém, apenas no mapa. Mas antes do Rio Grande, muitas paradas pelo caminho e quatro especiais: Teresina, Brasília, Rio, Curitiba. Sim, visitar os irmãos, parentes e amigos pelo caminho não pode ser evitado. Será ótimo vê-los.

Então é isso. Como tenho poucos bens, não será problema vender algumas coisas, mas doarei a maioria. Na querida Bros 150cc, apenas roupas e o notebook na mochila para alimentar meu diário para o blog a cada parada. Comigo, o meu Deus, minha única companhia nas estradas. Invisível, mas presente.
Darei o aviso prévio e entregarei o apartamento. Pronto. É hora de partir. Alargar os horizontes, mudar de vida. Uma viagem com um propósito, mas com resultados imprevisíveis. Eu devia ter feito isso antes, mas eu não conhecia a motocicleta. Ela é o motor dos sonhos.

É hora de partir. De partir para não mais voltar. Pois se nada mais me prende aqui para ficar, como terá algo que me fará voltar? Como diz o pensamento: Lar é ter para quem voltar.

Não me interessa cruzar cidades, países para bater recorde de quilômetros para depois escrever um livro sobre o assunto. Não é este o objetivo, apenas seguir.

O motoqueiro solitário abre o acelerador. O motor ronca. A águia azul no capacete vermelho voará sobre a estrada. Nada de despedidas. Aquele cafezinho na Saraiva, a cervejinha na Zug, os longos papos de Quarta e a companhia agradável dos amigos não merecem despedida. Apenas não estarei mais lá.

Hasta la vista, amigos!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

“Saudade do Galvão Bueno!”

Houve um ano em que o locutor esportivo da Globo Galvão Bueno foi escolhido o melhor locutor e, ao mesmo tempo, o pior locutor. É isso, Galvão é polêmico, ninguém fica indiferente a ele.
Muita gente não gosta dele, mas ninguém imagina vê um jogo da seleção brasileira sem sua narração. O que as pessoas não gostam são de seus comentários, às vezes sofríveis ao apontar insistentemente o erro de um jogador, seu ufanismo exacerbado, sua torcida declarada, suas invencionices tipo “deu um tapa na bola”, quando o jogador a chutou, sua indiferença às chamadas dos repórteres de campo, deixando-os esperar um pouco para saber quem manda no pedaço; suas disputas no ar com Arnaldo Cézar Coelho, provocando muitas vezes o velho árbitro...

Depois da Copa do Mundo de 82 na Espanha, Luciano do Valle, então narrador principal da TV Globo, partiu para um projeto pessoal na Band, antiga Bandeirantes, onde firmou, de vez, carreira, consagrando-se como uma das maiores vozes esportivas do País. Mas ao mesmo tempo que trilhou esse caminho, ficou um pouco esquecido da grande massa. Não porque passasse a fazer um trabalho menor, não fez. Mas por dois motivos cruciais: porque a Band não tinha a audiência da Globo e porque seu substituto foi o Galvão Bueno.

Diferentemente de Luciano, sóbrio e atendo-se apenas ao jogo, Galvão chegou com tudo narrando: torcendo apaixonadamente, não se restringindo apenas ao seu ofício de narrar o jogo, mas opinando com fôlego cada vez mais renovado, se esgoelando sem pudor, criticando, pegando no pé do juiz, lamentando abertamente uma jogada errada, enfim. Um torcedor com microfone na mão.

No princípio aquela voz meio indefinida precisou ser ouvida com mais atenção para poder se perceber seu valor. Todos estávamos acostumados com o vozeirão do Luciano do Valle. Como definir a voz do Galvão, então? Até hoje não sei definir aquela voz: grossa? Grave? Meio grave com tons nasalados? Não sei. O que sei é que Galvão Bueno assumiu o posto que antes era de Luciano do Vale e foi mais além do jogo em si: Galvão dá audiência. De qualquer jogo e também da Fórmula 1. Quando um jogo é narrado por ele é um jogo importante.
Muitos gostam de dizer que detestam o Galvão, chamam-no de burro, idiota e que é um chato. Chato? Às vezes, sem dúvida, mas burro e idiota? Pura maledicência e desejo insidioso de criticar. Quem nunca saiu do Brasil e assistiu a um jogo da Seleção na voz de um locutor estrangeiro não sabe o que fala quando diz não gostar do Galvão.

Em 2006, na Copa da Alemanha, minha namorada na época viajava pela Europa e assistiu dois jogos do Brasil quando passava pela Inglaterra e França. Reuniu-se com outros brasileiros num bar diante da tevê. Quando começou o jogo, nas duas ocasiões, ela ficou extremamente decepcionada com a narração dos locutores ingleses e franceses: morna, indiferente, com picos de frieza e totalmente desprovida de entusiasmo. O espetáculo ficou comprometido. Não havia clímax. O próprio gol era narrado com apatia, tanto do Brasil quanto do time adversário.
Quando voltou, ela me disse: “Germano, como eu senti saudade do Galvão Bueno! Me deu vontade até de escrever pra ele, pra Globo, pra dizer que ele é simplesmente o máximo! Sua força narrativa, sua alegria, sua torcida empolga a gente!”

Ela nunca escreveu para ele contando isso. Mas quem sabe um dia ele pode ler este artigo e receber o recado daquela minha ex-namorada de que jogos da Seleção com sua narrativa é um ingrediente a mais para torcer e vibrar. Sem duvida, não dá pra ficar indiferente ao ouvir aquele: “Olha o gol! Olha o gol! Olha o gol! Olha o gol!... Goooooooooooooooool!... É do Brasiiiiiiiiil!
Valeu, Galvão!

Seleção do povo ou seleção do Dunga?


A seleção de Sebastião Lazaroni da Copa de 1990 na Itália entrou para a história do futebol brasileiro como uma das piores até os dias de hoje por adotar uma filosofia apenas de resultados. A seleção passou com dificuldades pela primeira fase com vitórias apertadas e foi eliminada pela Argentina precocemente nas oitavas. Foi a pior campanha brasileira desde 1966. O time tinha bons jogadores, como Bebeto, Romário, Branco e Taffarel, entre outros, que se tornariam heróis do Tetra na Copa dos EUA de 94. Dunga também estava lá e, por causa de um esquema exageradamente defensivo e pragmático, aquele futebol feio ficou conhecido como Era Dunga, um jogador apontado pelos críticos como combativo, porém limitado.

Aquele futebol “feio” foi uma resposta ao futebol “lindo” da seleção da Copa da Espanha de 1982, em que estrelas incontestáveis como Zico, Sócrates, Falcão e companhia brilhavam nos gramados há anos. Aquela Copa seria a consagração deles, e de uma seleção amada pelo povo, convocada por Telê Santana, com grandes craques e um futebol ofensivo e criativo. Infelizmente, ela foi eliminada pela medíocre Itália, numa derrota que foi chamada de “a tragédia do Sarriá”. Depois disso surgiu a máxima: “É melhor jogar feio e ganhar do que jogar bonito e perder”. Será?
Na Copa de 86 no México, a seleção ainda era uma seleção expressiva, mas não levou. Perdeu para a França e Zico, dizem, perdeu um pênalti. Mas Zico não perdeu o pênalti, o goleiro pegou. Quem perdeu o pênalti foi Platini que jogou a bola por cima do gol. Então veio a Copa da Itália e a Era Dunga, depois a vitória na Copa dos EUA em 94, quando um “empate era um grande resultado” e o Brasil foi campeão.

As ironias do futebol: Zico, o grande, o craque, um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro e um dos maiores do mundo não foi campeão mundial com a camisa amarelinha, mas Dunga, o limitado, levantou a taça em 94, dizendo um palavrão ao fazê-lo, num desabafo aos jornalistas que tanto o criticaram. A vida é injusta, mas é a vida.

Dunga está de volta e hoje, pasmem!, é técnico da Seleção Brasileira. É claro que sempre torci por ele nesse novo cargo e considero sua vitória na Copa das Confederações de virada sobre os EUA como seu maior momento. Suas conquistas com a seleção têm sido expressivas, com boas campanhas. Mas a seleção que ele convocou é a seleção dele, não nossa. Não é a seleção do povo. Ontem, ao olhar para os jogadores, mal consegui identificá-los. Kaká, Robinho e Luís Fabiano.... E quem mais?

Ele deixou de fora Adriano! E daí se o cara tem problemas pessoais fora de campo? Que temos com isso! Queríamos vê-lo dentro do campo, sua vida fora não nos interessa! Pelo menos eu não me interesso.

Não convocou Ronaldinho Gaúcho. Bem, o cara vem mal faz tempo, mas valia a presença dele pelo menos pra puxar o sambinha do hotel pro estádio... Quem sabe não rolava um lance brilhante na cabeça dele e faria grande diferença?

Ganso e Neymar, o clamor de última hora. Por que não levar pelo menos um deles? Por que ficar contra a opinião geral sempre parece uma decisão inteligente, quando muitas vezes não é? Parreira levou Ronaldo Fenômeno em 94, cedeu à torcida, mas não o colocou para jogar. Esses técnicos são muito sábios!

Na Copa do Japão e Coreia em 2002, Felipão ficou contra o país inteiro: ele não levou Romário. Dizem que ele esperava que Romário participasse de um jogo preparatório, para Felipão importante, mas que o baixinho não quis ir. E o técnico considerou isso como traição e não o convocou mais. Levou pro lado pessoal? E nós com isso de novo! Felipão nos impediu de ver o baixinho novamente jogando pela seleção numa Copa do Mundo! Aquela seleção foi campeã? Foi, e daí? Não queremos apenas resultado, queremos a diversão da trajetória dos jogos, ver os grandes jogadores em campo, nos divertirmos e nos emocionarmos com suas jogadas. Em 98 na França, Romário se machucou e teve de ser cortado, então 2002 era sua última Copa.
Agora na Copa da África do Sul de 2010, temos uma seleção sem grandes estrelas em campo. É considerado um time coeso. Para mim é uma incógnita. Não tenho ideia do que vai acontecer, se se sairá bem ou não. É ruim torcer por um time quando não nos identificamos com os jogadores, não os conhecemos bem. É um grupo de jogadores com sobrenome: Felipe Melo, Gilberto Silva, Michel Bastos, Daniel Alves, Tiago Silva... Fogem a tradição dos prenomes únicos ou apelidos. Estranho.

Espero que durante o torneio possamos conhecer bem esses jogadores através de um desempenho brilhante. Vou torcer pela seleção do Dunga, mas não queria que ela ganhasse a Copa apenas, queria que ela jogasse muito bem, nos divertisse e nos empolgasse. Ou seja: que nos apaixonássemos por ela. Mas se isso não for possível, bem, vou torcer assim mesmo para que ela seja campeã, pelo menos para ter mais quatro anos de promoção TIM a 0,25 por ligação TIM, TIM local e DDD.
Avante, Brasil!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Israel contra os ativistas “pacíficos”




Só o que se fala estes dias é sobre o ataque de Israel ao navio de ativistas de maioria turca levando toneladas de alimentos a Gaza. A ação de Israel teve um desdobramento imprevisível com final trágico: nove ativistas mortos e alguns soldados feridos. O mundo inteiro ficou contra Israel, pra variar.

Ninguém esperou explicações do Estado judeu, condenaram logo, como se Israel fosse um Estado maléfico governado por um déspota que tem como prática usual matar palestinos e pró-palestinos por esporte. A demonização de qualquer represália de Israel contra seus inimigos é sempre imediata. Seu direito de defesa é constantemente relativizado.

Mas quem é afinal, Israel, para suscitar tamanha má vontade da ONU e de todos os países do mundo? Em pinceladas muito rápidas queria lembrar só uma coisa:

1º Israel foi fundado legitimamente por uma votação da ONU em 1948, após a tragédia do Holocausto judaico.

2º Décadas antes, os judeus haviam comprado muitas terras com o fundo sionista, isto é, nunca invadiram terra de árabe algum.

3º Os hoje chamados “refugiados palestinos” jamais foram expulsos pelos judeus, mas pelos próprios árabes que os avisaram a sair do caminho, pois uma imensa coalizão de exércitos faria uma “grande guerra de extermínio contra os judeus”. Não bastou o Holocausto provocado pelos nazistas, os árabes queriam fazer o deles com os judeus, completar o trabalho que Hitler quase conseguiu, a Solução Final palestina. Os palestinos atenderam os árabes e foram embora. Os que ficaram, Israel os assimilou como cidadãos.

4º Israel venceu cinco guerras defensivas. Os chamados “territórios ocupados” por Israel foram conquistados através de guerras em que eles foram agredidos e nunca os agressores.

5º Israel é a única democracia plena no Oriente Médio, parlamentarista, com imprensa livre e direito de voto e culto a todos. Os árabes israelenses têm partido político e representação no Knesset, o Parlamento. Um privilégio impensado para qualquer judeu no mundo árabe.

Então, por que o mundo sempre fica contra Israel, quando quem flagrantemente quebra todos os acordos de paz são os palestinos? Ora, no dia em que Israel saiu de Gaza, para cumprir os acordos que se comprometeu, o Hamas lançou mísseis para o território de Israel. E continuou lançando durante anos mais de 2000 mísseis! Até que Israel perdeu a paciência e invadiu Gaza para pôr fim aquilo com a Operação Chumbo Moldado, em 2009. Claro que ela foi condenada também.

A ONU já condenou Israel cento e vinte vezes! Sabe quantas vezes a ONU condenou o Hamas e a Fatah de Arafat pelos homens-bomba e os mísseis lançados sobre Israel mesmo depois de firmada a paz em Oslo? Nenhuma vez! Será que o mundo está louco, cego e surdo?

Mas e os ativistas? O contexto é o seguinte: Há um embargo de Israel contra a Autoridade Palestina legitimado pela ONU por causa do contra-bando de armas. Todos os dias, 15 mil toneladas de alimentos vistoriados entram em território palestino por terra autorizado por Israel. Os navios se lançaram ao mar para descumprir uma lei conscientemente. Eles sabiam que havia o embargo. E assim mesmo foram. Israel mandou que eles fossem para o porto de Ashdod, eles desobedeceram. Seguiram em frente para a faixa palestina.

Os helicópteros sobre os navios insistiram, eles continuaram. Então os soldados desceram e foram recebidos a pauladas! Que cena estranha! Ativistas humanitários recebendo soldados que controlam o país que eles planejavam burlar a lei à pancadas com paus e barras de ferro? As imagens dos vídeos não deixam dúvida alguma: os soldados foram cercados por vários ativistas que os espancaram sem dó nem piedade! A reação esperada dessas “pessoas de boa vontade” era levantar os braços e se render para saber o que estava acontecendo. Mas eles sabiam muito bem o que estava acontecendo, sabiam muito bem o que estavam fazendo. Alguns atacaram com facas e correntes, até que os soldados receberam ordens para atirar em legítima defesa.

A reportagem da semana foi o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, dizendo, indignado, que era um absurdo aquela reação de Israel contra “ativistas pacíficos”. Não sei se foi intencional, mas assim que ele disse isso a edição do jornal colocou os “ativistas pacíficos do Amorim” dando pauladas num soldado caído no chão, deixando a imagem no ar enquanto o ministro, em off, os chamavam de “pacíficos”. Foi ridículo. Aliás, a política externa do Sr. Amorim é lamentável, uma bola fora atrás da outra.

Hoje já se sabe que a liderança desse grupo que foi a Gaza é ligada ao Hamas e que aquele comboio humanitário foi mais uma estratégia para colocar Israel em maus lençóis com a opinião mundial. Arafat fazia isso sempre, era um mestre do desastre. Se havia realmente ativistas humanitários sinceros naqueles navios, não passam de inocentes úteis a serviço de propaganda anti-Israel dos terroristas do Hamas.
A perda de vidas humanas é lamentável. Contudo, a história parece que não acabou. Para estas horas, está prevista a chegada do cargueiro irlandês Rachel Corrie, com a clara intenção de furar o bloqueio de Israel. A provocação não tem fim. Curiosamente, esta organização tem o nome de Free Gaza.

Um bando de idiotas antissemitas que não enxergam um palmo a frente do nariz. Gaza livre?! De quem? Ora, há alguns anos Israel se retirou de Gaza oficialmente deixando todo o território nas mãos do Hamas e da Fatah, cumprindo os acordos de paz. Sabe o que eles fizeram? Começaram uma guerra fratricida pela tomada do poder. Tornaram-se inimigos mortais. O serviço público ficou paralisado. Nada funcionava, era uma terra de ninguém. As pessoas eram assassinadas nas ruas. Ambulâncias eram paradas e os feridos da outra facção metralhados. Duas organizações cheias do dinheiro de doadores europeus e Gaza na miséria. Arafat morreu com milhões de dólares no banco e seu povo vivendo em condições de quarto mundo. Livres de quem? Crianças que são ensinadas a odiar Israel desde cedo é que deviam ficar livres dessa influência maligna para estancar essa corrente de ódio. Ah, sim: nesse meio tempo, eles continuaram jogando mísseis contra Israel, que já tinha caído fora dali. Aí Israel voltou.

O Estado de Israel é literalmente rodeado por inimigos mortais. Nesses tempos de Copa do Mundo é simbólico dizer que a seleção israelense tem que disputar as eliminatórias na Europa, pois não é aceita no Oriente Médio.

Qualquer país do mundo faria a mesma coisa que Israel fez, pararia os navios, mas só Israel não pode se defender. Os soldados erraram, a meu ver. Aquelas mortes poderiam ter sido evitadas. Mas desse último acontecimento com os navios de ativistas, como também tantos outros, mostra-se, através da reação mundial, que Israel não está sitiado apenas pelos seus inimigos territoriais, mas sitiado pelo mundo. Não é à toa que aconteceu o Holocausto.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Muito Além da Neblina


Ed. Scortecci.
402 pgs.
R$ 25,00

(Quase esgotado)

À venda nas livrarias Saraiva Iguatemi, Livraria Oboé Center Um, Siciliano Del Paseo, Ao Livro Técnico North Shopping (Fortaleza-CE); Livraria Curitiba (Curitiba-PR); Livraria Asabeça (São Paulo-SP).

Sinopse

Após se formar em Cinema em Cuba e quase perder a vida por causa de um amor não correspondido, o ex-seminarista e escritor Marcelo Coqueiro retorna ao Brasil em 1990. Encontra a produção cinematográfica falida e se refugia na publicidade para ganhar a vida, enquanto dá início a sua própria carreira literária. Com um livro de contos e poemas publicados, é contratado por uma editora para escrever um romance. Nesse meio tempo, seu melhor amigo assume uma homossexualidade escondida, desafiando-o a enfrentar seus preconceitos e a provar sua amizade. Às voltas com o drama de não achar um tema para o romance, encontra numa sala de aula o retrato de uma bela mulher e fica impressionado com sua beleza. Impulsivo, empreende uma viagem em busca de conhecê-la. Uma viagem de resultados imprevisíveis. “Não se esqueça disto: a vida é surpreendente, sempre”, disse-lhe um desconhecido. “Sabemos que um dia encontraremos a morte, mas não sabemos nunca o que encontraremos na vida. Ela está sempre a um passo de nós”. Marcelo Coqueiro não demoraria a provar isso.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Contra o fanatismo 3


"Herege não é quem arde na fogueira, mas quem a acende". Shakespeare.

Sem dúvida: de todos os fanatismos, o mais estranho, o mais bizarro e um dos mais alienantes é o fanatismo religioso.

Não queria me deter no fanatismo muito em voga e sempre na mídia como o fanatismo islâmico, cuja base de sua religião é a submissão dos povos a Alá pela espada e, enquanto isso não acontecer, todos os não-islâmicos são inimigos potenciais dos muçulmanos. Quero falar do fanatismo cristão evangélico.

Uma das coisas mais saudáveis que existe é encontrar e participar de uma igreja evangélica sadia, séria, que respeita as liberdades individuais e que não abre mão de pregar a Palavra de Deus com misericórdia, amor e bom senso. Para quem está fora da igreja, seguir preceitos bíblicos, ser crítico a diversas coisas tidas como normais pela cultura do mundo, buscar uma vida de oração e leitura da Bíblia, negar-se a si mesmo em prol de fazer a vontade de Deus podem ser tidas como coisas alienantes por alguns. Obviamente isso não é verdade. Cristo deixou uma fórmula perfeita para sabermos se o caminho é de Deus ou não: Pelos frutos conhecereis a árvore, disse Ele.

Curiosamente, Jesus não disse “pelas obras”, mas “pelos frutos”. Isso tem forte razão de ser. Você pode fazer grandes obras de caridade, fundar ONGs de assistência social, creches, distribuir todos os bens ao próximo, “mas se não tiver amor, nada serei”, afirmou o apóstolo Paulo em sua carta aos Coríntios. Há muita gente neste mundo que gosta de se promover com ações de caridade e outras que o fazem mecanicamente, ou como forma de barganhar com Deus. Mas a verdadeira caridade nasce do coração, livre, espontânea e influenciada pelo Espírito Santo. Como se diz: Não se chega à salvação pelas obras, mas às boas obras pela salvação.

Quando cremos em Cristo e procuramos, com humildade, segui-Lo, os frutos aparecem. E os frutos do Espírito, segundo a Bíblia, são: “amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio”. Ora, quanto a essas coisas não há repreensão. E algo muito simples pode ser conferido: o fanático religioso não tem nenhum destes frutos. Ele tem aparência de piedade, mas sem sê-lo.

Contrapondo aos frutos do Espírito, a Bíblia também fala não dos frutos, mas das obras da carne, que são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, inimizade, porfias, ciúmes, feitiçarias, iras, adultérios, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, orgias, glutonarias e coisas semelhantes a estas. Não é preciso fazer parte da igreja de Cristo para reconhecer que tudo isso acima não presta.

Mas como um fanático cristão começa a nascer?

Primeiro: ele, ao ter contato com o Evangelho, torna-se legalista. Vive pela letra da lei e logo se esquece que sempre foi pecador. (Aliás, o ser humano é um pecador ambulante, faz parte de sua essência terrena, estando ele dentro ou fora da igreja). Passa a se julgar em alta conta e começa a chamar os outros, aqueles que não participam da igreja, de “ímpios”. Não sai mais para lugar algum, acha pecado mortal beber, fumar, ir a um barzinho, a um show e, sabe lá, à praia. Isola-se do mundo, na verdade, tem medo do mundo, quando ele devia, com sua presença, mudar o mundo, pelo menos o mundo que o rodeia.

Certa vez, um amigo meu crente me acusou por me sentar com alguns “ímpios”, segundo a palavra dele, nos cafés do shopping Del Paseo. Ao chamar os outros de “ímpios”, ele nem se dá conta de que o ímpio é ele mesmo, pois ímpio vem de “impiedade”. Então, para de julgar os outros, seu impiedoso!

Segundo: O fanático geralmente quer controlar as vidas. Gosta de manipular os outros e adora citar versículos para acusar as pessoas. Não tem misericórdia nem se solidariza com pecadores que praticam coisas que ele sempre praticou. Ele acabou de sair de um estilo de vida reprovável, mas olha para trás como se nunca tivesse vivido de tão maneira. Não, ele não se identifica mais com tal pessoa, não tem a generosidade de se aproximar em amor e não em acusação. O fanático (e também o legalista) é impiedoso. Ao contrário de Davi, que para não se ensoberbecer, pedia a Deus para deixar seus pecados sempre diante dele, para que ele nunca se esquecesse quem era.

Terceiro: O fanático acha que todo mundo está errado e só ele está certo. Manifesta para outros um deus criado à sua imagem e semelhança, com características que compõem a sua própria personalidade como rancor, azedume, impiedade, avareza etc. Um deus acusador. Geralmente, ele também é místico. A tudo mistifica e acaba se tornando antissocial, esquisito, desconfiado.

E quarto: A reboque dessa esquisitice e da esquizofrenia que tomou conta de sua alma, o fanático chega a ponto de se afastar da própria família porque ela não creu em Cristo como ele. O sujeito se converte a Cristo, se torna membro de uma igreja evangélica, mas os pais e os irmãos e até a empregada continuam católicos, ou não creem em nada. Aí acontece o elemento mais típico de um fanático-legalista: ele se afasta da família dentro da própria casa e os considera ímpios. Não participa mais de nada, mal fala com os pais e irmãos, não frequenta mais festas de família, ignora os parentes e passa a viver mais dentro do quarto do que no convívio familiar.

Às vezes, ele até para de estudar e de trabalhar. Obviamente, nenhuma igreja decente compactua com essa atitude, ele seria imediatamente orientado a parar com isso. Mas se ele frequenta uma seita, então ele ficará pior, pois essa é a característica maior de uma seita: afastar seus membros da família para dominá-los mais facilmente. Ele despreza a afirmativa bíblica que diz que aquele que não cuida da própria família é pior que um pagão.

Mas não só. O fanático se afasta também dos antigos amigos. Eles não são mais dignos de sua santa companhia, agora ele vive num patamar espiritual elevadíssimo, não há mais tempo a gastar com perdidos, ele é um ser especial agora, um eleito, tem que estar sempre com os irmãos que fala a sua língua. Ele se afasta definitivamente de todos eles. Nem sequer mais os atende.

Essas são quatro características de um fanático religioso, a meu ver. E é por isso que sou contra o fanatismo de qualquer tipo, e especialmente o religioso. Seus frutos sempre são podres.

Sim, é um prazer estar com os irmãos da fé; é uma alegria ouvir a palavra de Deus juntos, conversar sobre assuntos de interesse mútuo; é natural que nos interessemos mais por um tema em nossa vida e passemos a investir mais tempo nisso, todo mundo assim o faz; porém Jesus disse que a igreja é sal e luz do mundo! E a igreja são pessoas de carne e osso, não templos de tijolo e argamassa. É para trazer sabor a vida de pessoas necessitadas e iluminá-las com o conforto de Deus que estamos aqui. E ninguém que se julgue melhor do que outros pode ser usado por Deus como luz e sal.

Jesus é dia a dia. E onde estivermos e com quem estivermos Ele está conosco. Humildade diante de Deus e diante dos homens: blindagem certa contra o fanatismo.

Contra o fanatismo 1



Terminei de ver a série sobre a Segunda Guerra Mundial emprestada pelo meu amigo Marton. Já li muito sobre o assunto, sem contar filmes e documentários. Mas estes foram 30 DVDs, com três episódios cada, totalizando 90 filmes de 20 a 40 minutos. Nesta série, contudo, o que me chamou particular atenção foi a ênfase dada à Guerra do Pacífico entre os EUA e o Japão.
Era assustadora a postura dos japoneses na Segunda Guerra. Nem mesmo os soldados alemães, conhecidos pela sua crueldade contra os civis, foram tão fanáticos quanto aqueles homenzinhos! O contexto de seu país já era bastante estranho: o imperador Hiroíto era considerado um deus. À sua passagem, todos curvavam a cabeça e não ousavam olhar para ele; a sociedade japonesa no início do século 20 era feudal e, porque não dizer, quase medieval; as mulheres não tinham direitos civis e para os homens era melhor cometer o suicídio do que enfrentar uma derrota, uma desonra. Era preferível à morte a um fracasso, a vergonha. O que, convenhamos, é um pensamento tremendamente absurdo querer se matar porque algo saiu errado.

Aqueles homenzinhos irados, obstinados e raivosos poderiam ter optado pelo comércio para obter as matérias primas que faltavam ao solo nipônico, mas eles optaram pela guerra. A guerra foi uma opção pensada e racional. Sim, eles não foram atacados, nem forçados, nem agredidos. Eles decidiram pagar o preço conscientemente, o preço de matar e de morrer. Como vencer uma nação disposta a usar seu próprio corpo como míssil? Os kamikases impuseram grandes perdas aos americanos. Seu desejo cruel de lutar fez o EUA entrar num impasse, pois quanto mais venciam as batalhas, mais japoneses se apresentavam para morrer pelo seu país.

As perdas dos soldados americanos estavam num nível do insuportável. Próximo ao fim da guerra, e a derrota já se delineando no horizonte, o Japão poderia ter baixado as armas e evitado ainda maior carnificina. Mas não. Morrer era uma honra e perto de abril de 1945 milhares se apresentavam para se tornar kamikases. Essa atitude obstinada tinha o intuito de impor pesadas perdas ao inimigo, mesmo que isso provocasse o extermínio da nação inteira. Sem dúvida, uma geração beligerante, orgulhosa e fanática.

Após conquistar a ilha de Okinawa, o próximo passo era a invasão do Japão, mas os EUA não sabiam mais o que fazer. Foram 15 mil soldados americanos mortos na conquista da ilha. Do lado japonês, dez mil e cerca de 40 mil civis mortos. O comandante japonês, General Ushijima, suicidou-se pelo método ritual, o haraquiri. Não suportou perder a ilha. Os EUA não tinham dúvidas que venceriam na invasão. Mas a que preço? A campanha seria sangrenta e exaustiva. Havia 1 milhão de japoneses para defender as ilhas territoriais, 5 mil aviões para dar apoio, treinamento constante de novos pilotos kamikases, que não paravam de crescer e até mesmo ataques suicidas voluntários da população civil eram uma possibilidade. Seria um massacre. Estimou-se que mais de 250 mil americanos morreriam na invasão.

Nesse período, o presidente Trumann foi informado sobre o projeto Manhattan e o êxito dos testes da bomba atômica. Ele não hesitou. A bomba de urânio, Little Boy, foi jogada pelo Enola Gay a 6 de agosto de 1945 sobre a quarta maior cidade do Japão, Hiroshima. Foi uma demonstração terrível de um novo poder destruidor. Milhares foram desintegrados instantaneamente. Morreram entre 40 a 100 mil pessoas, não se sabe ao certo. Mas mesmo assim, os japoneses não se dobraram. Então veio a segunda bomba, Fat Boy, de plutônio e mais potente que a primeira, lançada em Nagazaki em 9 de agosto. O imperador e seu gabinete ainda deliberaram se deviam se render ou não. Metade dos ministros ainda era a favor de continuar lutando! Então, Trumann os avisou que se eles não se rendessem incondicionalmente, uma “chuva de fogo cairia sobre o Japão como algo nunca visto na Terra!”

Eles se renderam. O grande paradoxo da bomba atômica jogada sobre o Japão, numa contagem de quase 200 mil mortes, é que ela evitou mais mortes, tanto de americanos quanto de japoneses. Trinta anos depois do final da Segunda Guerra Mundial, soldados japoneses ainda se escondiam no interior das florestas das ilhas do pacífico sem saber que a guerra havia acabado. O fanatismo daqueles homenzinhos causou perdas gigantescas aos soldados americanos e a si mesmos. O fanatismo dos japoneses daquela geração não deve ser esquecido, pois nada é tão assombroso do que um ser humano, um exército ou um povo fanático. E o fanatismo, infelizmente, continua forte no mundo. Hoje, felizmente, o Japão mudou bastante e prefere optar pelo comércio à guerra para se sustentar.

Com a rendição, o general McArthur governou o Japão por seis anos, impondo um regime democrático ao país, eleições livres e direito às mulheres ao voto. Depois disso, o general entregou o poder aos próprios japoneses e se retirou de volta para casa. Eles tiveram sorte de não ter sido vencidos pela União Soviética.

Contra o fanatismo 2



Geralmente o fanatismo é associado à religião. Sem dúvida, a religião consegue extrair o melhor e o pior das pessoas. Não por acaso o fanatismo é associado a ela. Porque o objeto de amor, de adoração, de prazer acaba tomando a atenção desmedida de uma pessoa, o fã, que cultua um “ídolo” como um deus, a ponto de adorá-lo e fazê-lo a razão da sua existência. As palavras “ídolo”, “fiel”, “culto”, “adoração” remontam ao universo religioso. Isso quer dizer que o futebol pode ser, para alguns, uma religião, assim como um trabalho, um hobby, uma pessoa ou uma celebridade pode ser objeto de culto.

Ao final do Campeonato Brasileiro de Futebol 2009 com a vitória do flamengo, uma cena me chamou a atenção enquanto os jogadores festejavam em campo sua conquista: um close de alguns torcedores satisfeitos, mas com um olhar perdido, instável e certo ar de perplexidade no rosto, como a dizer: Venceu, ótimo, mas e daí?

O que leva alguém a amar desmedidamente um time de futebol a ponto de estar disposto a viver o time, celebrar sua existência em bandeiras pregadas na parede do quarto ou sobre o carro em dia de jogos, visitar frequentemente o estádio, acompanhar o time em outras cidades, esperá-lo no aeroporto para festejar ou para criticar, chorar amargamente ao vê-lo perder e alegremente ao vê-lo ganhar, brigar com torcedores de outros times porque não compartilham daquela paixão avassaladora e, em alguns casos lamentáveis, matar por essa paixão?

Não há dúvida que o futebol é um esporte apaixonante. Não há dúvida que torcer pelo time da sua cidade ou pela seleção do seu país também é divertido. Torcer por um time é um lazer, um hobby saudável como qualquer outro. Ao vê-lo ganhar, alegra-se, faz-se troça com aquele amigo do time adversário; ao vê-lo perder, entristece-se, mas faz parte do jogo ganhar ou perder e a vida segue. Porém, nem todos veem assim. Esse tipo de “fair play”, espírito esportivo, não é uma dinâmica de todo torcedor. Em alguns, ali, bem no íntimo, existe o vírus da alienação, do fanatismo.

A exaltação exagerada a algo que nenhuma mudança prática lhe traz ao dia a dia nem valor efetivo em sua vida é preocupante. Seja seu time ganhando ou perdendo, sua conta bancária continua a mesma, seus problemas em casa nada mudaram, o salário continua não dando para as despesas, as contas continuam chegando, o aluguel acaba de aumentar... Mas ele está feliz que o time ganhou, vai fazer média com sua camisa oficial por aí e se sentirá alienantemente orgulhoso. Mas quando passar a euforia e tiver de enfrentar os obstáculos da vida, seus ídolos não estarão ali para driblar os problemas e fazer gols de barreira, é apenas ele com ele mesmo. “Ainda bem que domingo tem jogo no Castelão”, consola-se ele. Lá, as chances de ser vencedor são maiores.

Para esses as frustrações da vida são projetadas no time do coração, seu universo é pequeno, limitado e quando o time ganha, é ele quem ganha; quando perde, ele é o perdedor. Suas batalhas pessoais são transferidas para os jogadores, os ídolos em campo, que correm por ele, fazem gols por ele, vencem por ele, ficam ricos por ele, contudo não compartilham dessa riqueza com ele. Ao contrário, ele ainda paga, mensalmente com certa dificuldade, sua carterinha de sócio-torcedor para ajudar seu time. Para os jogadores, guerreiros de seu exército de chuteiras, tal torcedor é bem-vindo nas arquibancadas lotando os estádios, mas bem longe deles! Jogador quer distância de torcedor. Quanto mais longe dele melhor. Torcedor é para comprar ingresso, aplaudir e incentivar o time, mas que sua presença máxima seja separada pelas grades ou o fosso. Jogador não é besta.

Certa vez um jornalista esportivo disse que o torcedor perigoso era aquele que encarava o futebol como uma coisa séria. Com esse era bom ter cuidado. E tem razão. Quem tem que encarar o futebol como coisa séria é quem vive do futebol, quem recebe salário dele, quem depende dele para viver. Torcedor é para se divertir e ponto. Desde quando diversão é coisa séria? Ir ao cinema, ao teatro, a um show ou a um jogo de futebol é pura diversão e entretenimento para quem assiste, mas é sério para quem faz, produz e joga, porque vive daquilo. Mas não para nós que estamos apenas assistindo. Meu amigo Marton, aquele que me emprestou os DVDs da Segunda Guerra, é um apaixonado pelo Ceará, mas consegue ser um torcedor interessado e continuar inteligente, sempre de bom humor, fazendo troça com o cunhado que torce pelo Fortaleza, tudo na mais tranquila camaradagem, em provocação mútua. E não passa disso. Mas nem todos são assim.

Recentemente, um colega de trabalho, “Ceará saudável”, respondeu ele quando lhe perguntei se era “Ceará doente”, cuja mensagem de celular tem o grito do time, me fez uma grande grosseria quando lhe dei, em tom de brincadeira, os parabéns pelo vice-campeonato. Ele fechou a cara. Sentiu-se altamente ofendido, mas não se constrangeu em me ofender por causa de uma bobagem daquela. Curiosamente, aparentava ser uma pessoa risonha e bastante brincalhona, mas não mexa no seu time do coração!

Eu gostaria muito de estar de férias para acompanhar todos os jogos da Copa da África do Sul. Começa dentro de alguns dias. Não perderia nenhum jogo de nenhuma seleção, mas infelizmente terei folga apenas para ver os jogos do Brasil, como deve ser para quem está trabalhando, claro. Vou torcer pelo Brasil e ficar muito feliz se ele ganhar e triste se perder. Mas e daí? A vida é um jogo, ganha-se e perde-se. Seja ganhando ou perdendo a Copa, estarei religiosamente no dia seguinte de volta à minha rotina de trabalho: correndo com minhas próprias pernas, driblando com meu próprio talento, chutando fora com minhas próprias limitações e marcando gol no meu próprio labor pessoal, graças a Deus! Serei eu mesmo e não um outro por mim.