segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um corpo que cai


Hoje pela manhã, ao sair de casa para o trabalho, me deparei com um zunzum perto do meu prédio. O porteiro, movido por aquela necessidade excruciante de passar pra frente uma má notícia, pôs-se ao meu lado e me deu um bom dia, dizendo: “Uma mulher se jogou do terceiro andar aí no prédio da frente”.

Estranho essa necessidade que temos de dar más notícias às pessoas! A notícia de morte é um alerta inconsciente de que algo não vai bem com o mundo. As más notícias criam solidariedade até entre inimigos para enfrentá-las... Por que morremos, afinal? Não há como se conformar com a morte, mesmo a morte natural (embora eu não considere morte alguma natural).

Olhar um corpo inerte, sem vida, diante dos olhos me fez pensar a primeira vez: Para onde foram seus sonhos? Onde foi parar sua consciência, sua pessoa? Tudo que viveu, tudo que doou, tudo que guardou, todos os lugares onde esteve, os sabores que provou, os cheiros que sentiu, os gostos que teve, os prazeres que desfrutou, tudo se perdeu para sempre?

Não aceitamos o fim de uma vida, porém até no idioma a língua propõe agora uma inexistência do ser atrelada ao corpo. Ao nos referirmos ao morto, não o chamamos mais pelo nome, mas o “corpo de fulano”, “o cadáver”, “ele era”, “ele foi”. Mas, ali, naquele corpo inerte, não é mais a pessoa, o ente querido, mas um invólucro que envolvia alguém. Nem vou me deter em expeculações metafísicas, pois o sentimento diante de um cadáver é de fato de perplexidade.

Ao olhar o corpo tão amado de minha mãe no caixão, via com meus próprios olhos que ela não estava mais ali. Então, se é agora apenas um corpo, onde estará a alma vivente que movia aquele corpo? Meu pensamento é: Se existe uma Consciência espiritual divina fora de um corpo, a consciência individual que habita um corpo, uma vez fora dele, não continuará vivendo?

Parei minha moto ao lado do prédio. A imprensa e os curiosos já estavam a postos. Soube que era uma jovem de 19 anos. De madrugada, ela pulara do terceiro andar. O vigia noturno ouviu um barulho seco no chão e rodeou o prédio sem ver nada. Porém, pela manhã, viu o corpo da moça estirado no chão, morto.

Ela morava num prédio bonito, bem localizado, vivia com os tios, tinha juventude, sua vida estava apenas começando. Por um motivo desconhecido por nós, nada daquilo fazia sentido para ela. A vida em si não fora para ela motivo suficiente para ser prolongada, o suicídio pareceu o melhor caminho (falo mais sobre o assunto no post “ Sobre o suicídio de Hemingway, London e Marcelo”).

Não há dúvidas: nada é mais importante do que a vida! Nada pode ser mais precioso do que viver. Contudo, a vida não é apenas um corpo acordado se mexendo e falando, é mais que isso. Jesus de Nazaré revelou que há vivos que, na verdade, estão mortos. E há mortos literalmente, que estão vivos. Sim, há pessoas que vivem, mas é como se estivessem mortas. Sua vida e suas obras são mortas e geram morte. Para mim, o pensamento suicida começa na angústia, ela é a semente do mal que cresce no coração de um desesperado. A angústia mata!

Certa vez, meu irmão comentou comigo que hoje em dia quase toda mulher anda com uma bandinha de antidepressivo dentro da bolsa ao lado do batom e da maquiagem, e que não devemos nos escandalizar com isso.

Ele tem razão. São tempos difíceis para a alma.

Passei a primeira e acelerei a moto. Saí de perto do prédio da pobre moça em direção ao trabalho. A vida não pode parar. Enquanto sentia a brisa gostosa da manhã no rosto, lembrei de uma promessa do Deus da Bíblia no livro de Jeremias em que Ele diz: “Invoca-me no dia da angústia e eu te livrarei”. Eu mesmo já tinha sido salvo da angústia por conhecer essa promessa.

Talvez a pobre moça não conhecesse essa palavra. Ou não tivesse uma Bíblia em seu quarto. Ou talvez tivesse e nunca tenha aberto.

2 comentários:

  1. Germano!Não se pode julgar,pré-julgar ou tentar o explicar o inexplicável.Esse papo c/ vc seria digamos de muitas horas.Mas o que deu para mim compreender é que vc não tenta entender.Pois...é difícil mesmo entender.Bem vai aí fato:SOU BIPOLAR...É fácil dizer isso ou aquilo,mas...sentir na pele!!!Como dói não ser compreendido.Felicidades da Sil!

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  2. Imagino, querida! Depressões são coisas terríveis! Precisamos uns dos outros sempre! beijos!

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