quarta-feira, 16 de junho de 2010

Hora de partir


Um das coisas mais difíceis de se admitir é ter perdido o entusiasmo sobre muitos aspectos que compõem nossa vida. A crise, que gera o vazio existencial, nos lança num limbo de não-alegria, não-sentido, não-amor. Não se trata de uma depressão, de um querer morrer, de se entregar ao sono como fuga, um fugir de si mesmo. Mas de uma sede quase insuportável de mudança, em todas as áreas da vida.

Não que no além-horizonte esteja um gramado mais verde. Isso é ilusão. Muitas vezes, o objetivo é o percurso que gera algum resultado interior. O trajeto, o caminho e as experiências neles vividas são o que nos ensinam a pensar melhor e tomar decisões inteligentes, como voltar e, ou, seguir em frente.

Moro numa cidade onde turistas passam férias. Clima tropical, praias bonitas, vida noturna agitada, cheia de shoppings, cafés, bares. Tenho um bom emprego, um salário, que embora esteja longe do ideal me sustenta e ajuda a pagar as contas; moro perto do meu trabalho, que exerço com prazer; tenho uma vida prática, tipo novaiorquina: vou a pé para o trabalho, faço tudo a pé se quiser, tomo café pelo caminho e moro no bairro mais charmoso da cidade.

O que falta, então? Faltam raízes. Meus irmãos moram em outros estados e meus pais já faleceram. Não tenho mulher nem filhos. Assim, o que me prende aqui? Provavelmente, a única coisa que me prende à cidade são os amigos, mas estes mesmos, e ainda poucos, têm suas próprias vidas e, amigos, convenhamos, não nos prendem a lugar algum, pois onde quer que iremos, os levaremos no coração. A amizade verdadeira, mesmo à distância, nunca acaba.

Assim, estou em crise, num grande dilema: ficar aqui ou entregar o apartamento, pegar a estrada e partir? Saiba, um motoqueiro em crise é um perigo! A liberdade em forma de duas-rodas-e-um-motor está logo ali, piscando o farol pra gente, sedutoramente. Quem nunca pegou uma estrada de moto não sabe do que estou falando. Mas quem já experimentou essa sensação sabe o quanto ela é atraente.
Andar de moto é uma das melhores coisas da vida. Dá quase a mesma lombra dos corredores, a endorfina é injetada no sangue, o bem-estar e alegria tomam conta. “Voar” a 100 km/h por uma longa estrada, tendo aos lados paisagens deslumbrantes, é uma bênção que marca na memória. Deus, com certeza, tinha em mente os motoqueiros que mergulhariam no vento, ao criar àquelas paisagens arrebatadoras.

É uma solidão encantadora. As serras ao longe, planícies perto, Taruka tocando no mp3,o frio batendo no casaco e no rosto descoberto pela viseira, os asfalto correndo para trás, pequenos lugarejos vindo e indo, pessoas diferentes lhe servindo um café em cada parada, um pernoite num hotel, ora modesto ora confortável, e as paisagens se sucedem: terra vermelha, verde deslumbrante, dunas altivas e brancas, mares verdes e azuis...

É fechar os olhos e visualizar isso.

Rio Grande do Sul é a parada final. “Final”, porém, apenas no mapa. Mas antes do Rio Grande, muitas paradas pelo caminho e quatro especiais: Teresina, Brasília, Rio, Curitiba. Sim, visitar os irmãos, parentes e amigos pelo caminho não pode ser evitado. Será ótimo vê-los.

Então é isso. Como tenho poucos bens, não será problema vender algumas coisas, mas doarei a maioria. Na querida Bros 150cc, apenas roupas e o notebook na mochila para alimentar meu diário para o blog a cada parada. Comigo, o meu Deus, minha única companhia nas estradas. Invisível, mas presente.
Darei o aviso prévio e entregarei o apartamento. Pronto. É hora de partir. Alargar os horizontes, mudar de vida. Uma viagem com um propósito, mas com resultados imprevisíveis. Eu devia ter feito isso antes, mas eu não conhecia a motocicleta. Ela é o motor dos sonhos.

É hora de partir. De partir para não mais voltar. Pois se nada mais me prende aqui para ficar, como terá algo que me fará voltar? Como diz o pensamento: Lar é ter para quem voltar.

Não me interessa cruzar cidades, países para bater recorde de quilômetros para depois escrever um livro sobre o assunto. Não é este o objetivo, apenas seguir.

O motoqueiro solitário abre o acelerador. O motor ronca. A águia azul no capacete vermelho voará sobre a estrada. Nada de despedidas. Aquele cafezinho na Saraiva, a cervejinha na Zug, os longos papos de Quarta e a companhia agradável dos amigos não merecem despedida. Apenas não estarei mais lá.

Hasta la vista, amigos!

Um comentário: